Autodeterminação, Liberdade e amor (P. Duarte da Cunha)

Há tempos alguém pedia ajuda a fazer algo que não era bom para ela. Diante de um pedido destes ficamos sempre na dúvida do que fazer. Sobretudo quando nos é claro que o que nos pede está errado. Se nos pede para lhe partir o braço, ou para lhe dar veneno, é evidente que não vamos ajudar, mas se nos pede para beber mais um copo de vinho e já está bêbado? E se nos pede para ajudar a roubar nos impostos?
Somos amigos e queremos ajudar, mas ajudar a fazer mal a uma pessoa de quem gostamos parece uma coisa estranha. Será mesmo em certo sentido, inconcebível, a não ser que uma pessoa não se interesse realmente pelo bem da outra. Se gostamos do outro, ajudar tem sempre em vista o bem dele. São João Paulo II propunha constantemente a cultura da vida e do amor, o Papa Francisco luta contra a generalização da indiferença: não será porque ambos querem o bem das pessoas e nos dizem que amar é o contrário de ser indiferente?


Há quem argumente que o importante é ajudar o outro a fazer o que livremente decide, e que devemos deixar cada um autodeterminar-se. Diz-se que não podemos ser juízes dos outros. Mas o que é neste caso a liberdade do outro? Há uma liberdade ligada ao amor, ao bem, ao justo e, por isso, ao que edifica e faz crescer o bem e vencer o mal. Aliás, há uma liberdade ligada à santidade e por isso à vida eterna que faz com que um santo, como a Santa Teresa de Calcutá, chegue ao ponto de se sacrificar pelos outros que ama. O que não faz sentido é dizer que uma pessoa é livre quando faz mal a si mesma de modo consciente, só porque está cansado ou porque quer fazer uma experiência diferente!
Que uma pessoa possa e deva decidir por si o que fazer na vida e que ninguém deva ser pressionado de fora a tomar decisões fundamentais com as quais não está de acordo parece claramente uma coisa positiva e algo que se deve defender. Ninguém se deve casar à força, ou ir para um convento contra a sua vontade, nem acreditar em Deus sob ameaças. Aliás o amor e a fé quando são forçados não são verdadeiramente amor e fé. É um sofrimento enorme ser forçado a fazer algo contra as próprias convicções sobretudo no campo do amor e da fé. Por isso a liberdade religiosa é tão importante! Mas não basta não ser forçado, é preciso avançar e seguir a consciência, e, portanto, é necessário manter a consciência bem formada e alerta.
Depois, é certo que há quem faça asneiras pensando que faz o bem. Aliás, já São Tomás de Aquino, seguindo neste ponto Aristóteles, dizia que o acto da vontade é sempre ligado a um bem. Ninguém quer o mal por ser mal, mas porque, de alguma forma, lhe parece bem ou traz algum bem. O importante, por isso, é saber o que é bem. Mas também é importante saber o que não se deve ou não se pode fazer. Devemos sempre escolher o melhor dos bens possíveis, e nunca podemos escolher um mal sabendo que é mal, mesmo que seja um mal pequeno. Estou, porém, convencido que para aprender o que é mal e o que é bem precisamos de ter a experiência de ser amados. Só uma pessoa que nos ama e nos quer o bem nos leva a procurar e a descobrir o nosso bem. Pelo contrário, quem é tratado com indiferença acaba por se tratar a si mesmo com indiferença e contenta-se com as aparências.
Podemos então facilmente ajudar uma pessoa que queira algo de bom para ela. Mas é preciso admitir que existe bem e que vale a pena procurar e realizar o bem. Na sociedade liberal, que se apresenta como defensora da liberdade, pensa-se que isso está associado a uma ética individualista sem regras morais objectivas. Neste contexto cultural parece evidente que cada um pode escolher o que quer para si e que os amigos devem ajudar sem fazer perguntas para não parecer que estão a tentar impor algo ao outro.
A pergunta que os cristãos se devem fazer é se Deus, que ama todos incondicionalmente, estará de acordo com este tipo de amizade baseado na indiferença. Não creio! Por essa razão não compreendo o argumento sentimental dos que promovem a eutanásia. Aliás, vejo que pela Europa fora, quanto mais a sociedade é individualista, quanto mais reduz o bem da pessoa ao sentimento e ao prazer e quanto menos cuida da família e da fé, mais indiferente se é, e mais facilmente se considera possível ajudar alguém a matar-se, em vez de a ajudar a abraçar a vida sentindo-se acompanhada. É verdade que é exigente ter uma pessoa amiga ou de família doente, mas é preciso estar empestado de indiferença para tomar como sendo uma ajuda aceitar ser cúmplice na morte dos amigos doentes. Acredito na vida eterna, mas isso não me dá direito de aceitar que alguém diga que a sua vida neste mundo não tem valor porque acredito que Deus é o Senhor da vida!

In Voz da Verdade 11.09.2016