Sínodo em família (João César das Neves)

Os jornais são claros: a Igreja está dolorosamente dividida nas questões da família. O Sínodo dos Bispos, terminado no domingo, manifestou a polémica que irrita os fiéis e confunde o mundo. Irá finalmente a Igreja Católica aceitar o que toda a gente diz? E, ao fazê-lo, desvirtuará para sempre a doutrina, atraiçoando o Mestre? A confusão é profunda e generalizada!
Pode ser confuso, mas não é novo. Vivemo-lo há muito tempo, durante o Concílio. O de Niceia em 325, ou qualquer um dos 21 ecuménicos, incluindo o último, Segundo do Vaticano de 1962 a 1965. Estes, entre muitos outros, foram momentos difíceis, confusos, até cruéis, com muitos desorientados, atingidos, enfurecidos. Difíceis mas não inesperados, pois tínhamos sido avisados: "Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundidos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados. Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo" (2Co 4, 8-10).
A origem dos alvoroços é sempre a mesma. A doutrina é clara, sólida, indiscutível, vinda do mais alto dos céus. Aí não há dúvidas. A confusão está na vida, que brota do fundo do coração dos homens. Como a doutrina só existe na vida, é preciso combinar ambas. Ninguém sabe isto tão bem quanto os cristãos, cuja doutrina se fez homem e habitou entre nós. Assim os dramas dos últimos dias, como dos próximos meses, são os de sempre. Em especial, pela proximidade, assemelham-se aos vividos há cinquenta anos. Essa experiência traz-nos grandes lições e evita muitos sofrimentos, se tivermos em conta as três grandes ofertas que a época do Concílio Vaticano II nos deixou, para minorar conflitos e sarar angústias.
O primeiro dom foi um sábio conselho. Não nos preocupemos ou escandalizemos com debates, polémicas, zangas e sofrimentos. Eles fazem parte da vida humana em qualquer instituição, especialmente numa tão vasta, antiga e decisiva como a Igreja. A nossa confiança é sólida porque, além de avisados dos tumultos, fomos também informados do resultado: "Anunciei--vos estas coisas para que, em mim, tenhais a paz. No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: eu já venci o mundo!" (Jo 16, 33).
A segunda dádiva da época do Concílio foi um precioso ensinamento prático: ordem. Na Igreja os pastores guiam e as ovelhas seguem. Se os primeiros se demitem ou as segundas se exaltam, as coisas correm mal. Que cada um saiba o seu lugar e não trate daquilo que não lhe compete. Se nos pomos todos a perorar, é o caos. Especialmente em temas superlativos.
Cada tempo vive os seus problemas, e as questões deste sínodo foram muitas, difíceis e complexas. Acesso aos sacramentos por casais irregulares, acolhimento a divorciados, uniões de facto, homossexuais são dilemas pastorais profundos e espinhosos que, como os dramas do século IV ou dos anos 1960, não têm respostas simples e evidentes. Dizendo sim ou não, só pode apregoar certezas claras quem escamoteia aspectos essenciais. Felizmente isto não nos compete, pois só quem sabe e manda tem de o fazer.
O peso da análise e decisão cai todo sobre um só homem: Francisco, o Vigário de Cristo. O que ele disser definirá, em absoluto, a aplicação que a Igreja fará hoje da doutrina eterna que recebeu de Jesus. Consciente das dificuldades, Sua Santidade pediu ajuda, convocando um sínodo. Deste modo distribuiu parte da sua carga aos 191 padres sinodais, ajudados por 62 peritos. Os resultados da reunião, agora divulgados, foram entregues aos bispos diocesanos e seus colaboradores, para aplicação concreta na vida das igreja locais. Estes dão as respostas. A eles devemos interrogar e escutar. Aos outros, hoje como sempre, compete-lhes rezar pelos pastores, esperar pelas determinações e obedecer quando elas vierem. Esta é a ordem.
O mundo, que compreende mal os hábitos cristãos, procura padres sinodais debaixo de qualquer pedra, atribuindo competência disciplinar a quem a quiser assumir. Sempre fizeram assim, e é normal que o façam. Como também é natural que os fiéis não se deixem assustar por isso. Para ajudar, o sínodo quis trazer-nos o terceiro presente do Concílio. A proclamação ao mundo da santidade do grande Paulo VI no último dia do sínodo é o mais valioso dos três dons. O papa Montini, a quem o Senhor confiou a Sua Igreja no último período homólogo, é, não apenas um exemplo e um mestre, mas um poderoso intercessor para os caminhos actuais da Igreja e da família. Beato Paulo VI, rogai por nós!

In DN 2014.10.22

A beleza da vida... (Sofia Guedes)

Passaram duas semanas sobre a Caminhada pela Vida, o que nela foi proposto e 30 anos sobre a primeira vez que se legalizou o aborto em Portugal. Foi em 1984 que se abriu, escancarou a porta à cultura de morte sem que ninguém estivesse preparado para se defender. Foi como que uma invasão de gás anestesiante que limpou a consciência humana. Um inimigo camuflado, mas muito claro no seu propósito, destruir a humanidade!

Mas mais do que falar do horror que tem sido esta guerra, com milhares e milhares de vitimas, quero exprimir um sentimento muito profundo e verdadeiro, que passa também pela razão e que descreve a beleza da vida.
Estou envolvida neste combate desde 1997, e embora tenha chegado atrasada, comecei cheia de certeza de que este é o meu combate. E desde esse tempo que sempre me impressionou, evitar-se falar destas formas legais de se matar uma vida caso se detetasse alguma má formação (entre as outras possibilidades, lei 6/84)). Lembro-me dum encontro de esclarecimento em casa de uma amiga, em 1998, cujo filho tinha uma grande deficiência, mas que apesar de ainda jovem quis assistir ao debate, na esperança de ser mais uma voz. E que ouviu este rapaz? Que não se falava ou mexia na lei de 84, considerando que era uma lei razoável! Este rapaz ouviu!!!... E eu nunca esqueci de me ter posto no lugar dele e pensar: "será que estão a falar a sério? Eu seria uma alvo a abater!!!...Afinal onde estão os bons?"
E assim tem sido desde os referendos de 1998, 2007 e tantos e tantos encontros! Procura-se o mal menor! Ou seja diz-se que é melhor salvar alguns que nenhuns. É verdade! Mas com que critério quando estamos a falar de vidas humanas?
Avançando no tempo... há três dias, uma grande amiga minha perdeu o seu querido filho, com 27 anos. E este filho era deficiente profundo desde que nasceu. Cresceu, viveu e morreu, sem nunca pronunciar uma palavra, sem ter ido à escola, jogado à bola, escrito um poema, resolvido um problema de matemática, discutido com os irmãs, ou sequer chorado... viveu uma vida de silêncio que emanava uma paz que era visível na cara de todos, sobretudo da mãe que o tratou como Nossa Senhora tratou do seu filho na Cruz. Esta mãe é uma mulher de uma fé que move montanhas, que transmite alegria na cruz pelo privilégio que foi ter sido mãe deste tesouro... Batizou e crismou-o, sabia-o de Deus!
 Este filho, aparentemente "vazio" para a sociedade, encheu e preencheu a vida de todos os que dele cuidaram, da mãe, do pai, dos irmãos e dos médicos, dos enfermeiros, dos terapeutas, das empregadas domésticas, das amigas de casa, de tanta gente.... E ontem no dia da missa de partida, a fila de pessoas para comungarem era impressionante, não acabava! Que mistério??!! A homilia foi de uma transcendência tão elevada quanto o mistério desta vida!
Ali naquele lugar onde está Jesus, e onde celebramos a Eucaristia, podemos experimentar o que é a comunhão dos santos, o que é o mistério de cada vida. Este rapaz de 27 anos que nunca pronunciou uma palavra, nem para pedir um copo de água, estava ali a interceder por tantos e tantos... convidou todos à conversão.... foi a personalização do que Jesus afirmou tantas vezes em relação às crianças aos mais pequenos e mais frágeis, dizendo que só O alcançaríamos se fossemos como estes.....esta vida já no outro lado, mostrou a gratidão do amor da mãe e de todos... levou-nos mais longe, mais fundo e mais alto! Só tenho de agradecer a Deus, ter estado ali naquele espaço e tempo em que o Céu tocou a Terra, com tanta doçura, com tanta beleza!
E por tudo isto e muito mais fiquei ainda com mais certeza de que não há vidas que valem mais do que outras.
 Estou disposta a ser mártir como tantos cristãos por esse mundo fora que não cedem a "negócios" sobre a sua fé, tal como não quero ceder por uma vida que seja. Ser como os mártires que se recusam a dizer que acreditam em Cristo negando a sua Igreja, mas que assumem a sua Fé na totalidade. Assim eu quero ser!
Que Deus nos ajude a não vivermos de males menores, mas se for preciso morrermos pelo Bem Maior.

2014.10.19

Vencer a crise demográfica (Pedro Vaz Patto)

Parece que os nossos principais dirigentes políticos estão finalmente a despertar para a gravidade da crise demográfica, talvez a mais grave das crises estruturais com que se depara hoje o nosso país. As taxas de natalidade atingem níveis dos mais baixos da nossa história e dos mais baixos do mundo. E ultrapassam as mais pessimistas das previsões anteriores.

Discutem-se agora várias medidas que possam inverter essa tendência, desde reformas fiscais que acolham o sistema do quociente familiar (em que as taxas são calculadas em função do número de filhos, pois estes fazem diminuir a capacidade contributiva), a várias formas de conciliação do trabalho e da vida familiar, ou ao combate ao desemprego juvenil e à precariedade do emprego juvenil.

Ouve-se dizer que ao Estado não compete convencer as pessoas a ter mais filhos (essas seriam opções puramente privadas), mas apenas remover os obstáculos que impedem as pessoas de ter os filhos que desejariam ter e que, de acordo com vários inquéritos, seriam suficientes para assegurar a renovação das gerações (mas será mesmo assim?).

Todas essas medidas que se discutem são importantes e algumas delas tiveram algum sucesso noutros países (em França ou nos países nórdicos, por exemplo).
Penso, porém, que a crise demográfica só será vencida com uma mudança cultural, uma mudança de mentalidade.

Na verdade, as gerações precedentes, que não conheceram este problema, não experimentaram adversidades menores do que as de hoje (apesar de então o emprego ser mais estável). A natalidade não é muito maior em países economicamente mais prósperos, ou nos estratos sociais mais abastados. Continua muito baixa em países com generosos apoios às famílias com filhos, como a Alemanha. E mesmo em França e nos países nórdicos, em que as taxas de natalidade são ligeiramente mais elevadas, estas não chegam para assegurar a renovação das gerações.

A crise demográfica só será vencida com a consciência de que a vida é sempre um dom e uma riqueza, que compensa sacrifícios e renúncias. Já alguém disse que é o maior dom que recebemos e, por isso, o maior que podemos dar. É ilusório pensar que se vence a crise demográfica sem qualquer forma de renúncia a algum bem-estar material ou tempo livre, ou sem contrariar a mentalidade individualista, hedonista e consumista que hoje impera.

Por outro lado, não se vence a crise demográfica sem vencer a crise da família. A rejeição do casamento como doação total e compromisso definitivo não pode deixar de traduzir-se na rejeição da natalidade. A fuga diante de escolhas definitivas, o viver projetado apenas no imediato, sem um projeto que envolva toda a vida, leva também à recusa da que é, talvez, a mais irreversível das opções: a de ter filhos. São famílias coesas e estáveis as que optam por uma descendência mais numerosa.

Esta mudança de mentalidade que permitirá vencer a crise demográfica não depende certamente do Estado, ou de medidas políticas. Mas não estão em causa simples opções privadas sem reflexos sociais: Esses reflexos estão agora à vista de todos. Não é apenas o futuro da Segurança Social, ou do Estado Social, que está em causa, é o futuro de uma Nação.
E se é certo que não é o Estado a moldar essa mentalidade, também é certo que muitas das suas políticas dão um sinal, contêm uma mensagem cultural que pode contribuir para vencer a crise demográfica, ou, pelo contrário, para a agravar. Quando se facilita o aborto, quando se facilita o divórcio, quando se equipara o casamento à união de facto, ou uma união naturalmente fecunda a uma união entre pessoas do mesmo sexo, a mensagem cultural que daqui deriva certamente não é de valorização da vida e da família, certamente que não contribui para vencer a crise demográfica.

In Voz da Verdade 2014.10.05

O aborto (Inês Teotónio Pereira)

A verdade é que o ónus não está só no Estado, ele continua nas pessoas. O aborto não é um assunto encerrado. É um assunto adormecido

O assunto parece estar resolvido: quem quer abortar aborta e quem não quer não aborta. As razões que motivam as duas opções são várias, pessoais e intransmissíveis. Cada um sabe de si. O Estado só tem de abrir as portas dos hospitais, pagar um subsídio e sair de fininho deste tema fracturante. Há cerca de sete anos os portugueses decidiram que a forma mais justa de lidar com o melindroso assunto é conceder liberdade total às mães das crianças. Decidiu-se que o Estado não se deve meter nesta relação íntima e muito menos substituir-se à mãe na decisão. E desde então pouco se tem falado do assunto.
O debate há sete anos foi aceso, intenso e apaixonado, e a emoção tomou conta da razão. À pergunta pouco directa e concisa "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?", os portugueses responderam que concordam. Falou-se do início da vida, do embrião, do feto, dos bebés, da gestação e em cada português encontrou-se um filósofo e um cientista. E o dilema adensou-se: se há vida é crime, se não há vida não é. Há vida ou não há vida? Uns dizem que sim, outros garantem que não. Mas havendo vida a anterior lei que permitia o aborto em alguns casos também não é válida. Pois, mas cada coisa a seu tempo. Havendo tantas dúvidas, não será melhor deixar que seja a mãe a decidir se o embrião é vida ou não? Afinal o corpo e o embrião são dela. Sendo uma questão de consciência, ficou resolvido que decide a mãe. E o pai, tal como o Estado, não conta.
De seguida fomos todos para casa de ombros caídos ou cantando vitória. Mas fomos todos para casa. Passaram mais de sete anos e o tema já não é palpitante. De vez em quando alguém grita (e bem) que é uma injustiça o Estado isentar as mães que abortam por opção de pagarem as taxas moderadoras, mas pronto. Pormenores. Esta é uma causa fracturante do passado.
Entretanto vamos sabendo dos números: entre 2011 e 2013 registou-se uma média anual de 19 mil abortos a pedido da mãe em que cerca de um quarto foram repetições. O porquê de tantos abortos ninguém sabe e poucos querem saber. Sim, era melhor que os números não fossem estes. Sim, era muito bom que ninguém decidisse interromper as gravidezes e que em vez de 19 mil abortos pudéssemos engrossar os números da natalidade em 19 mil. Mas o povo decidiu e a liberdade neste caso deixou de ser um valor supremo e passou a ser um valor divino. O centro da questão passou a ser a política de natalidade e família e talvez assim se dê a volta aos números.
Mas a verdade é que o ónus não está só no Estado; continua nas pessoas. O aborto não é um caso encerrado. É um caso adormecido. Quando se delegou a decisão nas mães, virou-se ao mesmo tempo as costas às que decidem abortar, encolheu-se os ombros às razões e tomou-se a decisão mais neoliberal de todas. Conceitos como o bem comum, a justiça social ou a igualdade de direitos foram arrumados na gaveta com o socialismo de Mário Soares em tempos idos do FMI.
A Igreja é a única instituição que garante em uníssono que um embrião é vida, mas ainda assim os portugueses, dos quais 81 por cento respondiam no censo de 2011 ser católicos, decidiram pela opção da mulher. Passaram sete anos e a verdade é que a lei precisa de ajustamentos, as mães precisam de aconselhamento antes de decidirem e de apoio concreto para escolherem de facto em liberdade. A decisão de 2007 não isenta ninguém, pelo contrário, responsabiliza-nos a todos. Sejam eles do sim ou do não, sejam eles políticos ou eleitores. Neste tema não há culpas, há apenas deveres. Deveres que não se esgotam no segredo das urnas ou no primeiro dia dos mandatos.

In ionline 2014.10.04

O deus de Stephen Hawking (Rui Ramos)

Para os cristãos, Deus fez-se carne; para Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a ciência todos os tradicionais atributos divinos, menos os "milagres"

Stephen Hawking acredita que Deus não existe. Ora, isto não é a mesma coisa que não acreditar em Deus. Se eu não acredito em Deus, eu não sei se ele existe ou não existe. Simplesmente, não tenho fé, como diria um cristão. Mas se eu acredito que Deus não existe, eu tenho fé, embora diversa – a fé na inexistência de Deus. A diferença entre as duas posições é por vezes expressa pelo contraste entre agnosticismo e ateísmo. Hawking não deixou dúvidas ao El Mundo: é ateu. Mas dizer só ateu pode não chegar para definir a posição de Hawking.  
A questão é determinar de que modo, entre a fé em Deus e a fé na inexistência de Deus, Hawking passa de uma margem para a outra. A sua ponte não é o cepticismo, mas a ciência, ou melhor, uma variante muito especial da experiência científica, que funciona de facto como o equivalente laico da fé religiosa. Hawking sente pela ciência a devoção que qualquer beato dispensa ao seu todo-poderoso ídolo. Acredita piamente na omnipotência do conhecimento humano sob a forma científica: "Creio que conseguiremos compreender a origem e a estrutura do universo(…). Na minha opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana".
O mais surpreendente em Hawking é a pobreza da sua concepção de Deus. Hawking passa por cima de séculos de meditação e de debate. Simplesmente, não vê "milagres" (porque não são "compatíveis" com a sua ciência), e portanto não vê Deus. No "passado", antes da ciência, admite que era "lógico acreditarmos que Deus criou o universo". Deus é, para ele, uma relíquia de fases primitivas do conhecimento humano, quando o gentio ainda não percebera que a natureza estava proibida de divergir das leis fixadas pelos professores universitários. É nesse sentido, que Hawking crê que Deus foi substituído pela ciência.
Para os cristãos, Deus fez-se carne; para Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a ciência todos os tradicionais atributos divinos, menos os "milagres" – o que, todavia, não o impede de avançar com transcendentes promessas de salvação, como a de que a exploração espacial "poderá evitar o desaparecimento da Humanidade devido à colonização de outros planetas". A ciência, aparentemente, tem os seus milagres, embora do género Star Wars.
Isto não é certamente agnosticismo, mas também não é apenas ateísmo. É a antiga superstição da ciência, o velho culto do progresso, típico dos autodidactas do século XIX, quando a máquina a vapor e a electricidade foram celebradas como os poderes do futuro homem-deus. De facto, é Hawking que representa, nesta história, a fase mais primitiva.
A ciência não é necessariamente sabedoria, se entendermos por sabedoria, não apenas o raciocínio e o conhecimento, mas também a humildade e a ponderação. Hawking pode ser um génio da astrofísica, mas não é um sábio. Chesterton dizia: quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em tudo. O Hawkings da entrevista ao El Mundo é um exemplo dessa credulidade. Onde tudo isso nos pode levar, vimo-lo o mês passado, graças a outro crente da ciência e inimigo de Deus, o geneticista Richard Dawkins. Sem inibições, deu a entender que, por ele, "é imoral" não abortar fetos com síndroma de Down. Eis a ideia de moral de quem, com a "lógica" do seu lado, se sente um novo deus.

In OBSERVADOR 25/9/2014