Acordo ortográfico: 'Abrir mão' ao descalabro ou do descalabro?

O "acordo" não serve para unificar, nem para simplificar; nem sequer serve para os fins políticos internacionais que António Sartini e outros como ele pretendem.

Em entrevista publicada na sexta-feira, dia 13 de Junho, no jornal Público, o director do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, António Sartini, declarou:

"Acho portanto muito justo que esta língua [portuguesa] se torne oficial nos organismos internacionais. É lógico que esse processo sempre gera descontentamentos [devido ao acordo ortográfico]. Mas para que ela seja oficial é preciso que seja coesa, pelo menos na sua forma culta, normativa. Ela não se tornou oficial até hoje porque há uma forma de escrever no Brasil, outra em Portugal... Para chegarmos a uma forma única, alguém tem de abrir mão de alguma coisa – e isso deixa as pessoas desconfortáveis".

Em virtude destas declarações, graves pelas responsabilidades linguísticas e pedagógicas de quem as proferiu, vimos chamar a atenção para os seguintes factos objectivos:

1. A língua inglesa possui mais do que uma forma de escrever, com diferenças sensíveis entre cada uma (por exemplo, entre a norma adoptada nos EUA e a adoptada no Reino Unido), e isso não a impede de ser a língua mais divulgada no mundo, língua oficial de quase todos os organismos internacionais.

2. O "acordo ortográfico" que António Sartini refere na entrevista, como está cientificamente comprovado, leva ao AUMENTO das divergências entre as ortografias de Brasil e Portugal. Antes do "acordo", escrevia-se recepção e detectar nos dois países. Depois do "acordo", nasceram novas palavras em Portugal, receção e detetar, criando uma divergência ortográfica onde existia convergência. Isto sucede em centenas de casos. Logo, o dito "acordo" não somente não contribui em nada para "chegarmos a uma forma única", como possui exactamente o efeito oposto.

3. Os organismos internacionais, ao contrário do que sugere António Sartini, não ficam a ganhar rigorosamente nada com o "acordo". Este não supera, nem sequer reduz, as divergências ortográficas antigas entre as variantes brasileira e portuguesa. Basta pensar na ONU e na OMS, por exemplo. Com ou sem este "acordo", continuará a ter de decidir-se entre República Checa (pt)/ República Tcheca (br), Islão (pt) / Islã (br), Madrid (pt)/ Madri (br), Moscovo (pt)/ Moscou (br), SIDA (pt)/ AIDS (br), etc. Qual a versão a escolher? Não há "forma única" possível na ortografia da língua portuguesa. O "acordo", precisamente onde o director do Museu da Língua Portuguesa Sartini afirma ser mais necessário, continua a ser um des-acordo.

4. As pessoas que se sentem "desconfortáveis" com o mesmo "acordo ortográfico" não se sentem assim por terem de "abrir mão de alguma coisa". É a verificação das falhas descomunais na sustentação linguística deste "acordo ortográfico", bem como a verificação dos efeitos desastrosos que o "acordo" está a provocar no ensino-aprendizagem, que tem levado à recusa deste por grande parte dos sectores mais ilustrados de Portugal e Brasil. O "acordo" tem criado as maiores confusões em crianças e adultos, tem levado a situações de perda absoluta de referenciais históricos, prosódicos e etimológicos da Língua, e nem sequer conseguiu criar correctores ortográficos para computador que sejam coerentes com ele e entre si. Maior desacordo do que aquele obtido com este "acordo" é difícil, senão impossível, de imaginar.

Noutro ponto da entrevista, António Sartini afirma que "essa reforma [ortográfica] vai oficializar alguma coisa que na prática já vinha existindo. Interessa-nos muito mais essa evolução natural, essa prática do que a cristalização trazida por uma reforma ou um acordo". Na verdade, o actual "acordo ortográfico" não reflecte qualquer evolução natural da língua. Ele foi antes orquestrado por um número muito reduzido de pessoas, em circunstâncias verdadeiramente penosas, para não dizer fraudulentas. Para informações sobre o processo levado a cabo no Brasil, recomendamos a audição da entrevista ao Prof. Sérgio de Carvalho Pachá, ex-lexicógrafo-chefe da Academia Brasileira de Letras e testemunha do processo, cuja ligação segue aqui: http://www.youtube.com/watch?v=-_wIluG3yRs

O "acordo" não serve para unificar, nem para simplificar; nem sequer serve para os fins políticos internacionais que António Sartini e outros como ele pretendem. Pelo contrário: acaba por ser prejudicial em todos esses aspectos. A conclusão só pode ser que o dito "acordo ortográfico" é um péssimo serviço criado aos países e às pessoas que falam e escrevem a língua portuguesa.

António de Macedo, Cristina Pimentel, Helena Buescu, Hélio J. S. Alves
João Barrento, José Luís Porfírio, José Pedro Serra, Maria do Carmo Vieira
Maria Filomena Molder, Paula Ferreira, Pedro da Silva Coelho, Rui Miguel Duarte
Teolinda Teolinda

18/06/2014

Sentir e consentir (José Luís Nunes Martins)

Cada um de nós é a linha que vai do que sente ao que faz e que passa pelo que pensa e diz... somos o que escolhermos sentir, pensar, dizer e fazer. Somos querer. 

Não podemos controlar o que sentimos, mas cabe-nos, sempre, escolher entre consenti-lo ou afastá-lo. Não controlamos tudo o que pensamos, mas cabe-nos a responsabilidade de escolher. Nem sempre optamos por dizer ou calar o que é melhor, mas, apesar de tudo, é essencial traçar a linha que separa o que queremos do que não queremos ser... 
Já o que fazemos (e o que não fazemos) depende, quase na totalidade, da nossa vontade. Devemos pois ordenar o que sentimos com vista a definirmos quem somos e quem queremos ser, a fim de agir de acordo, sem grandes desculpas, mentiras ou promessas vãs. 
Cada um de nós é a linha que vai do que sente ao que faz e que passa pelo que pensa e diz...  somos o que escolhermos sentir, pensar, dizer e fazer. Somos querer. 
A verticalidade de um homem depende da forma como assume o que sente, da profundidade com que pensa, da verdade do que diz e do valor absoluto das suas ações. E, claro, da harmonia que consegue entre estas suas quatro dimensões. 
Há muita gente desafinada... perdem-se apesar de alguns acharem que assim conseguirão ultrapassar a verdade. Um dia acordam e compreendem que foram afinal escravos do mundo, quando podiam ter sido senhores do seu destino. 
A autoridade é o poder do autor, competindo pois a cada homem dominar-se aos diferentes níveis, ordenando-se em vista do seu maior bem. 
Não sou o que sinto, nem o que digo, sou o que quero... e, em última instância, o que escolho fazer, apesar de tudo. 
É próprio do homem elevar-se acima da sua condição animal, ponderando e julgando as suas ações. Quem se rende de forma passiva ao que sente, demite-se de ser homem. 
Eis a essência da liberdade: uma vontade esclarecida. 
A espontaneidade dos instintos é algo primário, os apetites são desejos mas não são vontades, apesar do engano que a linguagem induz. Apetites são tendências naturais básicas que correspondem a desequilíbrios e necessidades primitivas que, apesar de tudo, pode a vontade humana ultrapassar. Os instintos são bons, desde que ordenados. 
Como posso chegar a ser quem quero? Através do domínio do que consinto, penso, digo e... faço. 
Não é bom ser-se uma solidão cheia de amor. Deve fazer-se com que essa vontade se faça real, se pratique, chegue ao mundo concreto e o enriqueça. Claro, importa analisar e avaliar muito bem o que nos rodeia, não vá abraçar-se alguém errado... é verdade que temos amor e braços para dar, mas temos também olhos e inteligência para escolher a quem devem chegar. 
Se há momentos maus na vida em que parece nada haver que nos anime, será desses, mais do que em quaisquer outros, que é mais importante sair... buscar o  melhor com todas as forças, contra todas as evidências. Mais determinante que as circunstâncias será sempre a vontade íntima de se ser feliz. As tristezas não podem evitar-se... são tempos de extrema verdade e dor, mas são momentos... a que devem suceder outros momentos. Numa linha em que o querer impera... apesar de tudo. 
Tudo tem o seu tempo, tudo pode funcionar em harmonia. Assim haja boa vontade. 
Quando andamos, um pé fica para que o outro voe para diante. Importa aceitar que seguir para a frente não é negar o que fica para trás, mas antes fazê-lo parte de algo maior que o momento, maior que o tempo... 
Desilude-se quem nesta vida julga que a luta acaba depois de uma batalha. Sempre haverá mais batalhas, mais feridas, talvez ainda mais profundas, mas também mais conquistas, mais alegrias e sempre, sempre, mais vida... para continuar a lutar. Assim haja querer, para caminhar rumo ao melhor de nós.

In ionline, 14.06.2014

Uma conversa entre Filipes (Filipe d'Avillez)

ReiFilipeVITu és Rei, ou estás prestes a sê-lo, e eu não sou. Logo aí há uma grande diferença entre nós… mas une-nos o nome próprio, pelo que me permitirás falar-te sem cerimónias.

Desde que tenho consciência política que sou monárquico, mais ou menos activo, nunca o escondi. Defendo a monarquia espanhola, gosto dela até… do lado de lá da fronteira, entenda-se, e arrisco dizer que se vivesse nos anos 30 teria contemplado seriamente combater por ela, talvez juntamente com os carlistas, mas isso é outra história.

Amanhã vais ser proclamado Rei de Espanha. Filipe VI. Mas vejo que tomaste a decisão de recusar a celebração de uma missa no contexto dos festejos e que decidiste, também, que o ceptro e a coroa que te serão entregues não se farão acompanhar de um crucifixo durante a proclamação.

Meu caro, como eu ficaria mais descansado se compreendesses as 1001 razões pelas quais isto é um erro tão grande! Começo por recordar-te um episódio histórico. Jesus Cristo, lembras-te dele? Tenho para mim que Ele devia ser o modelo para qualquer pessoa e sobretudo para qualquer rei. Também o quiseram coroar, lembras-te? Queriam fazê-lo rei de um povo, como fazem agora contigo. Mas Ele preferiu a cruz. Lembras-te? Não te incomoda nada que estejas prestes a fazer precisamente o contrário de Cristo nosso salvador?

Apetecia-me perguntar se vais mandar retirar a cruz do cimo da coroa, mas em vez disso vou partilhar contigo aquilo que me explicaram sobre o significado dessa cruz. Não é só uma referência cristã, é a lembrança de que qualquer rei deve estar disposto a ser crucificado pelo seu povo, como Cristo. Se rejeitas esta cruz, que custa tão pouco, aceitarás a outra se te for imposta? Podes responder que não e ser um bom rei? Não me parece.

Até de um ponto de vista pragmático o que fazes é uma parvoíce. Estás a tentar agradar a quem? Os republicanos e a esquerda já te odeiam. Não é por isso que vão passar a gostar de ti… apenas estás a facilitar-lhes o trabalho… Mas arriscas hostilizar os católicos, isso sim. Para quê o tiro no pé?

Terá a ver com outras religiões? Pois digo-te que se eu vivesse na Tailândia ou na Arábia Saudita preferia saber que o Rei se identifica com a religião maioritária do país e se sente responsabilizado por essa crença do que pensar que ele a descartava por razões políticas e sociais.

A monarquia é sempre melhor que a república, sobre isso não tenho dúvidas. Uma das razões, ao contrário do que dizem os críticos, é precisamente o facto de o Rei não ser eleito. Na prática, isso significa que ele não deve o seu posto a nenhuma clique política nem a nenhuma loja maçónica. Mas tem de sentir que a deve a alguém, tem de sentir que tem alguém acima dele.

A cruz que acabas de rejeitar é precisamente essa recordação. É algo que te obriga a ter noção que foste colocado acima do povo para servir o povo mas que terás de responder perante Deus pela forma como te comportas nessa posição. A missa que acabas de rejeitar é precisamente essa recordação, seria o único momento do dia em que mostravas claramente que não te consideras acima de qualquer um dos teus súbditos. Hoje, como há 2000 anos, Cristo é o grande nivelador social da humanidade. Morreu por todos, ama todos e julgará todos. Sentes-te acima desse julgamento? É essa a mensagem que transmites.

Filipe, meu caro homónimo, cometeste um erro grave. Fizeste sem que ninguém te pedisse aquilo que incontáveis mártires, incluindo tantos no teu próprio país, no século passado, foram intimados a fazer mas recusaram, ao custo da própria vida.

Acorda Filipe. Andas a dormir? É que por cá temos um ditado: "Rei que adormece no trono, acorda no exílio".

Com votos de que possa estar redondamente enganado a respeito de ti, despeço-me com amizade!

Filipe

P.S. A minha irmã ainda está um bocado chateada por não te teres casado com ela… Ou pelo menos estava, já que o meu cunhado nunca renunciou um crucifixo…

P.P.S. Quando quiseres devolver Olivença…

In Actualidade Religiosa, 2014.06.18

CRUCIFIXO (João de Deus, 1830-1896)

CRUCIFIXO

«Minha mãe, quem é aquele
Pregado naquela cruz?
- Aquele, filho, é Jesus...
É a santa imagem dele!
 
«E quem é Jesus? – É Deus!
«E quem é Deus? – Quem nos cria,
Quem nos manda a luz do dia
E fez a terra e os céus;
 
E veio ensinar à gente
Que todos somos irmãos,
E devemos dar as mãos
Uns aos outros irmãmente:
 
Todo amor, todo bondade!
«E morreu? – Para mostrar
Que a gente pela Verdade
Se deve deixar matar.
 
João de Deus (1830-1896)

“CSI: Jesus de Nazaré”, a crucificação vista por um legista

MADRID, 14 Abr. 14 / 07:31 pm (ACI/Europa Press).- O legista José Cabreras descreveu as lesões sofridas por Jesus de Nazaré desde o momento de sua prisão até sua morte na cruz, analisando a documentação da época e as imagens do Santo Sudário, e recolheu suas conclusões no livro "CSI: Jesus de Nazaré. O crime mais injusto".

Cabreras assegurou que escolheu para seu livro, publicado pela Neverland Edições, esse título chamativo, que inclusive é o nome de uma famosa série de TV americana, "para que o público se aproxime da descoberta da figura de Jesus" e saiba como foi sua morte desde um triplo enfoque: legista, criminológico e judicial. Em inglês a sigla CSI significa "Crime Scene Investigation", em português: Investigação da cena do crime, na qual os personagens são legistas e agentes da lei que conduzem suas investigações segundo os rastros deixados nos lugares do crime e nas evidências nos corpos das vítimas.

Mesmo sem um cadáver pode-se realizar efetuar uma "análise legista retrospectiva" baseada em testemunhos e na documentação da época, como os Evangelhos e outros textos apócrifos, e nas imagens do Santo Sudário, cujo valor "ninguém jamais desmentiu", disse o legista.

A documentação histórica romana estabelece que desde a prisão até a morte de Jesus na cruz transcorreram 24 horas, e que, uma vez crucificado, sobreviveu duas horas, quando alguns crucificados duravam inclusive vários dias, sinal, segundo Cabreras, da intensidade das torturas prévias às que foi sujeito.

Um capacete repleto de espinhos

As punções em todo o couro cabeludo assinalam que não foi uma coroa mas uma espécie de capacete denso de espinhos que Jesus levou na cabeça, espinheiros que, segundo Cabreras, os legionários romanos não tiveram trabalho para procurar, porque eram os mesmos utilizados para acender o fogo e que haviam em abundância na região.

O manto, guardado na cidade de Turim, Itália, evidencia que o nariz de Cristo tinha fraturado por um golpe e o ombro direito esfolado pelo peso do patibulum, a parte horizontal da cruz, cujo peso era entre 40 e 50 quilogramas, pois os crucificados não transportavam toda a cruz, a parte maior, vertical, permanecia cravada no chão, à espera do crucificado.

Segundo os estudos, a flagelação foi realizada ao estilo romano, com um flagelum, um látego que partia de um pedaço de madeira e cujas caudas terminavam em bolas de chumbo.

300 marcas de flagelo

A lei proibia golpear com este látego a cabeça ou outros órgãos vitais para provocar sofrimento, mas não a morte, de modo que Jesus, que recebeu cerca de 300 impactos dessas bolas de chumbo –o triplo do que era permitido na lei judia–, já tinha várias costelas fraturadas quando tomou o 'patibulum' sobre os ombros e subiu o calvário.

Ambos os joelhos foram esfolados até a rótula pelo efeito das quedas e o peso do lenho da cruz.
Os pregos atravessaram os pulsos de Cristo passando entre os ossos, enquanto que para os pés, postos um sobre o outro, usou-se um único prego que entrou pelas impigens, local onde o pé é mais largo.

Segundo Cabreras, habitualmente se atava os crucificados e os pregos, por serem muito caros, reservavam-se para "ocasiões especiais".

O centurião da guarnição romana, antes de abandonar o lugar do sacrifício, tinha a missão de assegurar-se de que o crucificado estava morto para garantir que ninguém o tirava da cruz com vida. Por isso, no caso de Jesus a lança atravessou o coração de baixo para cima e da direita à esquerda.
As Sagradas Escrituras narram que brotou água e sangue desta ferida e a ciência corrobora o fato.  "A água era o soro que costuma rodear o coração quando a agonia se prolonga durante horas", explicou Cabreras.

Descumprimento nas leis

O legista realiza ainda uma análise criminológica dos elementos que acompanharam as torturas e outro judicial de "saltos" que se deram no processo entre as duas leis vigentes na Palestina, a romana e a judia, com o propósito de prejudicar o réu.

"Pilatos, ao final, não teve nenhum elemento objetivo para condenar Jesus, e o condena por razões políticas", concluiu.

Cabreras recordou que foi no século XX, ao Papa Pio XII, que o cirurgião, Pierre Barbet, descreveu as lesões e os sofrimentos de Cristo desde o ponto de vista científico, e assegurou que o Papa chorou ao admitir: "Nós não sabíamos, ninguém jamais nos relatou (a Paixão) desta maneira".
18/04/2014